terça-feira, maio 09, 2006

A coisa aqui tá feia -Correio Braziliense, DT, O Globo, o Tempo,...

Meus caros "amigos" Chico Buarque e Augusto Boal me perdoem, por favor, se não lhes faço uma visita, mas mando fatos nesta carta. O restante vai pela TV e pelos jornais. O que eu quero lhes dizer é que a coisa aqui continua roxa! Tem muito choro, muito samba, pizza, futebol e rock'n'roll. Tem piruetas nos sinais para ganhar pão, tem greve de fome de sem fome, e fome sem greve de faminto. Tem muita bolsa, muito crack, coca e cola. E a gente vai comendo o quê? Também, sem aquela comida! E a gente vai levando que também não tem mais jeito, pois a Companhia do Legislativo faz teatro do oprimido. Ninguém, talvez, segure esse rojão.

José Maria Theodoro - Professor

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Já que se falou nele...
As prisões fora do cárcere

AUGUSTO BOAL (teatrólogo)

Nós todos já sabemos tudo, menos o essencial: que fazer, agora que não podemos alegar inocência?

Todos nós sabemos que não existe uma sociedade brasileira, e sim várias. Não apenas a dos ricos e pobres: entre elas, muitas gradações da riqueza e miséria.

Todos nós sabemos que, para que exista sociedade, é necessário que todos os seus membros nela estejam inseridos como sócios. No Brasil, a sociedade dos ricos, apesar dos seus conflitos internos, fecha-se em si mesma, constrói muros ao seu redor e apenas permite a existência daqueles que podem servi-la. Sem piedade, exclui todos os demais.

Na África do Sul, isso se fazia pela criação de enclaves aos quais se dava “liberdade” e “autonomia”, retirando-se dos negros, que ali eram obrigados a viver, a cidadania sul-africana — estrangeiros em sua Pátria. No Brasil, usando-se o jeitinho brasileiro de trapacear, criam-se os mesmos enclaves — favelas — e não é necessário retirar dos seus habitantes a cidadania brasileira, porque, se a tiveram, nunca a exerceram.

Todos nós sabemos que a maior parte da nossa população pobre passa fome, não tem onde morar, não tem escolas nem hospitais; sobrevive — o corpo humano, contra suas frágeis aparências, resiste. Temos até vergonha de repetir essa obviedade pela milésima vez, mas sabemos que assim é, pela milésima primeira.

Todos nós sabemos que, nessa atmosfera de asfixia, na insalubridade dos morros, no vazio da existência, na ausência de valores, no desprezo da vida, a maior parte da população vive em prisões fora dos cárceres. Uma mulher, que trabalha de doméstica no asfalto, retorna ao morro para um segundo turno de trabalho em sua casa, quando a tem — essa mulher está presa... fora do cárcere. Seu caminho, traçado: onde pode ir, onde não; o que fazer, o obrigatório e o proibido. Nenhuma liberdade de escolha — o tempo comanda seus gestos, prisioneira.

Um jovem que passa os dias à procura do emprego que não encontra — é negro, jovem, sem preparo, ou simplesmente mora no morro — está preso... fora do cárcere. Seu tempo não lhe pertence, sua busca determina seus atos. Nossos pobres estão prisioneiros: pendurados nos trens, vagando nas ruas, esperando nas filas dos restaurantes a um real.

Sabemos também, todos nós, que, se os governos oferecessem a essa parte da população as suas necessidades essenciais, o ódio e a revolta diminuiriam. Todos sabemos que boa parte dos bandidos talvez fosse bandida em quaisquer condições sociais; sabemos também que a maioria se tornou o que é desde a idade em que devia estar na escola; lá, porém, professores são obrigados a dois ou três turnos para viver — o dia inteiro aprisionados... fora do cárcere. À maioria nunca foi dada uma escolha, nunca lhes foi permitida a liberdade.

Ao contrário da solidariedade, aceitando essa população aprisionada como parte viva da sociedade, nossos governos oferecem o cárcere, penas mais graves, punições mais duras, maior acotovelamento nos espaços exíguos das celas superlotadas. Aqueles que estavam presos no tempo, nele, tornam-se livres, agora que estão encarcerados no espaço minúsculo de suas celas. Que fazer com o tempo, assim liberto?

Todos sabemos que o ser humano tem necessidade de se mover — como quase todos os animais, o ser humano é ativo, andarilho. Sabemos também que, se trancafiamos centenas de seres humanos em espaços inadequados, nojentos, acirramos vinganças. Nos cárceres imundos vige a Pedagogia do Crime.

Ao tempo livre deve-se oferecer possibilidades antes negadas. Atividades que estimulem a sensibilidade, a criatividade e a inteligência. O Estado deve aproveitar essa segunda chance para educar seus prisioneiros; eles e elas merecem o direito a uma primeira chance de aprender a respeitar a vida social.

O Centro de Teatro do Oprimido, sediado no Rio de Janeiro, vem a sete anos trabalhando em presídios de vários estados do Brasil. Sua proposta é simples, nesta como em todas as outras áreas de sua ação. O Centro propõe o diálogo através dos meios estéticos, propõe o desenvolvimento da sensibilidade e da inteligência dos seus participantes para que possam, no presente, analisar o passado, e inventar um futuro fora do crime.

O Teatro do Oprimido não é mágico, nem panacéia — não mostra truques nem oferece mezinhas. Um Diálogo verdadeiro, para que funcione, deve contar com a boa vontade de ambas as partes. Em uma sessão de Teatro do Oprimido, justas reivindicações aparecem, que devem ser não apenas ouvidas, mas atendidas. Se não o forem, para que serve dialogar? “Não há verba” não é argumento. Tem que haver, ide buscá-la!

Nosso trabalho está se desenvolvendo. Dele não se podem esperar milagres, mas pode-se esperar a humanização das relações prisionais que evitem explosões de rancor, carnificinas e que tragam verdadeira paz à sociedade: paz, mas sem passividade. Paz é ação concreta! Diálogo é troca: não se pode pedir tudo em troca de nada.

8:54 PM  

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